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Os sinos dobram por Solilóquio

Vai para um mês que terminou a sua passagem pela Terra um gigante taurino que assinou páginas imorredoiras com o pseudónimo de Solilóquio.
27 de Agosto de 2013 - 11:59h Pensamento por: - Fonte: Taurodromo.com - Visto: 2606
Os sinos dobram por Solilóquio

Vai para um mês que terminou a sua passagem pela Terra um gigante taurino que assinou páginas imorredoiras com o pseudónimo de Solilóquio.

Na verdade, estamos a falar de Alguém que repartiu o seu saber naquela área, nada mais, nada menos, por 34 livros, depois de, durante dezenas de anos, ter sido presença constante e espectador atento e lúcido nas arenas da geografia peninsular.

Logo por aí, estamos perante um facto abracadabrante, ao menos, intra-muros, dado que, antes dele (e, depois, isso é impensável, a manter-se o figurino dominante, em termos de mentalidade e comportamento, das pessoas que reflectem sobre o fenómeno tauromáquico) ninguém escrevera tanto e tão bem, em poesia ou em prosa, aqui, inclusive, como se de peças para Teatro se tratassem, como o ilustre finado homenageando.

Daí que, em correspondência trocada em 1999 com o distinto articulista, tivéssemos exarado como se transcreve:

“Muito obrigado também, agora na veste de aficionado, por tudo quanto tem feito pela Festa, a saber, a cultura taurina evidenciada ao longo de todos os escritos entretanto reunidos em publicações de existência indispensável na biblioteca de qualquer aficionado consciente, a sua intransigência em relação ao que não é verdadeiro, a elegância da linguagem, de que nem sequer está ausente uma certa mordacidade queirosiana…”

Depois, em 2003, de segunda e última missiva, consta como se reproduz:

“Não me recorda a data e o local em que vi o Senhor Comandante pela última vez, provavelmente no início de uma das últimas temporadas por terras de Olivença, mas associo seguramente a esse encontro a dolorosa comunicação de que a habitualidade das Suas publicações taurinas anuais estava definitivamente comprometida, muito embora fizesse questão de abrir a porta das confidências para deixar sair por ela a parcialmente compensadora revelação de que “andavam atrás de Si” para a publicação de um derradeiro livro e ele aí está, em boa hora ao dispor dos aficionados.

Falou Vossa Excelência na minha fidelidade à Sua obra e ela, de facto, existe. Todavia, ainda aí, o mérito Lhe pertence por inteiro. É que um tal sentimento tem ascendência, diria mesmo, se acaso fosse possível referenciá-lo fisicamente, promanaria de um Pai e de uma Mãe. E por esta última via se chegaria fácil e certeiramente à ligação umbilical do Seu distinto Autor a um estilo, sempre invariavelmente presente e observado ao longo de 34 volumes.

Estilo esse em que estão presentes, de forma regular e sistemática e numa enumeração meramente exemplificativa, a vastidão da cultura, não apenas necessariamente taurina; a linguagem directa e simples, por definição, acessível a todos os extractos sócio-culturais; a seriedade das críticas, no escrupuloso acatamento das verdades eternas do toureio; a desinibida apologia dos seus intérpretes mais qualificados, no reconhecimento de ser possível a afirmação da adesão ao nuncismo, romerismo ou paulismo; a graça de muitas das apreciações críticas, tornando a leitura mais leve e apetecível e o sarcasmo sempre presente em tantos dos seus trabalhos.

Por tudo isto, que é apenas uma gota no oceano das muitas águas que ora se impunha trazer à colação, é o Comandante Cristóvão Moreira, na sua veste de grande vulto das letras taurinas, mesmo à escala trans-nacional, credor do reconhecimento de todos os destinatários da Sua Obra, em cujo número gostosamente me considero incluído.

E compreendendo embora que todas os trabalhos humanos têm que conhecer o seu epílogo, quanto mais não fosse pelas limitações físicas, em termos de longevidade, dos respectivos autores, não é sem emoção sentida que assisto ao corte da coleta de quem, durante mais de 50 anos, esteve sempre presente, em lugares habitualmente recônditos das bancadas, a tudo quanto de bom e mau aconteceu nas arenas peninsulares e disso fez constância em seus escritos que, como tais, vão sobreviver ao desaparecimento do seu ilustre Autor, com o conforto decorrente da asserção segundo a qual “a palavra escrita tem valor diferente e maior, em certeza e permanência, do que a palavra falada. Não se presta tanto a jogos, a equívocos, a malabarismos. E não é emocionalmente influenciável, nem influenciadora, da mesma forma”.

Concluo esta carta de agradecimento e saudação na véspera do dia de apresentação do livro – data a que acedera já há semanas atrás, por amável confidência do comum amigo e grande toureiro Ludovino Bacatum.

Os compromissos profissionais de há muito firmados irão fazer com que só mesmo amanhã me será lícito saber se posso ou não estar em Lisboa pelas 18 horas.

Singular profissão esta, a minha, dita liberal, que tantas vezes, ao longo de cerca de 30 anos, tem obviado à minha comparência, julgada necessária por gosto ou por obrigação.

De qualquer modo, directa e pessoalmente, amanhã ou, em alternativa, um dia destes, ao ritmo concreto dos CTT que temos, esta missiva chegará às mãos do Seu ilustre destinatário, como testemunho do reconhecimento da segunda deferência que quis ter para quem, afinal, tão mal conhece e, agora num plano mais vasto, pela Obra valiosa e séria que deixa a cada um de nós, seus sôfregos, entusiastas e incondicionais leitores, desde o primeiro até ao derradeiro volume, ora dado à estampa”.

Recordado assim o pensamento antigo sobre o crítico da especialidade em referência, duas notas finais se impõem sobre o seu valor humano, por referência à razão de ser das cartas parcialmente recordadas:

Desde logo e quanto à primeira, com uma liminar abordagem às portas da praça de Cascais una dias antes, para referir, em face da inexistência de alguns exemplares no acervo entretanto laboriosa e pacientemente reunido, que o Senhor Comandante João Cristóvão Moreira, genuína denominação da pessoa em causa, não só diligenciou junto de terceiros em ordem à sua obtenção, como no que respeita a um deles, dedicado por inteiro a José Falcão, porque esgotado, se prevaleceu do seu arquivo pessoal, oferecendo-o.

No que tange à segunda, quatro anos após, saliente-se que o último dos livros em apreço, “Corte da Coleta”, na sua etiologia esteve o detalhe primoroso de nova oferta, quando ultimava a respectiva aquisição.

E isto, note-se bem, quando o relacionamento existente passou apenas por duas breves trocas de palavras, intervaladas no tempo e no espaço, a derradeira, por sinal, em terras portuguesas de Olivença, a captiva.

Em face de tudo quanto fica dito, conclui-se citando Solilóquio que, na morte de Ludovino Bacatum, se lhe referiu como “uma figura humana irrepetível”.

Feliz coincidência, esta, em que o retrato traçado de outrem assentaria como uma luva ao seu autor…

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