Um grande e brilhante crítico tauromáquico português, grande conhecedor destes assuntos, escreveu em 1944, uma crónica para um jornal diário, que em tudo parece ter sido escrita hoje, a propósito da festa brava e das corridas de toiros.
Sabemos todos que as dificuldades socioeconómicas que o país atravessa, o que de alguma maneira, afectará também as assistências de público ás praças de "primeira", dados os preços exorbitantes das entradas, onde em teoria, se apresentarão as figuras mais consagradas da festa, aquelas de quem o público e os verdadeiros aficionados esperam mais e melhores espectáculos.
A propósito, escreveu o cronista em 1944:
(…) Dieta f. – privação de alimentos – dicionário Cândido de Figueiredo (…)
(…) O aficionado português tem bom paladar e é guloso. Gosta de comer bons acepipes, tauromaquicamente falando. E goza de uma esplêndida saúde. E saúde, nesta hipótese, quer dizer poder de compra dos bilhetes para as corridas. Nunca regateará o seu dinheiro para ver bons espectáculos. Todavia, pobre dele, apesar de adquirir as entradas a preços exorbitantes, raras vezes fica satisfeito. Não vê a morte do toiro, a sorte suprema, aquela em que falta o momento da verdade. O aficionado quer os toiros de morte, não só para assistir a esse lance, mas porque as faenas, com essa finalidade, têm mais sabor (…)
(…) E também não vê lidar toiros completos, mas sim toiros com as hastes cortadas. E, porque não há fiscalização para o corte, quem corta, corta por onde lhe apetece. O aficionado talvez suportasse a privação daqueles alimentos, se os que lhe permitissem saborear fossem, ao menos, bem cozinhados. Mas não! O aficionado quer ver as grandes figuras do toureio do país vizinho, mas apresentam-lhe, quase sempre, "comida já sem graça". Melhor dizendo: os artistas que vê mais vezes são, na sua quase generalidade, já fracassados. O Campo Pequeno é, por assim dizer, o ponto de reunião dos toureiros que já não estão em forma. A melhor recomendação para vir tourear em Lisboa é ter fracassado em Espanha (não se aplicará na totalidade aos dias de hoje mas, as figuras são sempre de segunda ou terceira categorias). Do espectáculo de toiros em Portugal, só se saboreia completamente o toureio a cavalo. (…)
(…) Por fim, o aficionado è prejudicado pelo público que vai para a praça sem interesse pelo espectáculo. Uns entram a meio da corrida, outros compram o jornais durante o espectáculo, há até quem decifre as palavras cruzadas (hoje manipulam telemóveis e câmaras fotográficas), outros saem antes do fim. O que o público ignorante não compreende que o mais lindo lance duma corrida pode durar segundos, num espectáculo de duas horas. E, se este momento se perde, fica-se sem ver o melhor da festa. A festa não está doente. O que está é sujeita a uma rigorosa dieta. Acabemos com ela em tudo o que esteja ao nosso alcance. E a festa ressurgirá em todo o seu esplendor. (…)
Embora em Lisboa tenham toureado ultimamente as maiores figuras do toureio a cavalo, não é bem o caso do toureio a pé. Nunca estas palavras estiveram tao actuais.