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Artigo mais visto de 2011 "Os Miura - Mais que uma Ganadaria, um Mito"

Os Miura - Mais que uma Ganadaria, um Mito, o artigo da autoria de Sérgio Lavado, foi o mais visto no ano 2011 no Taurodromo.com. Leia ou releia que vale a pena...
05 de Maio de 2011 - 15:47h Pensamento por: - Fonte: - Visto: 5532
Artigo mais visto de 2011

        Olhando para a “árvore genealógica” que mostra a evolução do toiro bravo ao longo dos tempos, uns perder-se-ão observando os cruzamentos que ocorreram nas diversas castas, em que anos, quem precedeu a quem, qual a complexa evolução que originou algumas das mais afamadas ganadarias que existem actualmente, etc. etc. etc. Outros, por seu turno, ficarão perplexos contemplando a enorme simplicidade com que se originou a ganadaria Miura, pensarão para si próprios “Como é possível esta ganadaria existir actualmente? Como é possível tal pureza de casta? Como é possível continuar a haver toureiros dispostos a enfrentar estes toiros? Como é possível toda esta casta apenas ter pertencido a duas famílias em toda a sua história?” Escusado será dizer que os toiros de Miura são especiais, que são diferentes dos outros, tanto em comportamento, como em aspecto, e que são verdadeiros “fósseis” do toiro de lide!

        Quando se anunciam os Miura num cartel, o tema falado pelos aficionados é, única e exclusivamente, os toiros. Pouco importa qual é a data da corrida, qual é a praça de toiros ou quem são os toureiros. O que tem interesse verdadeiramente são os toiros! Uns vem-lhes à memória imagens de toiros imponentes, de uma enorme estatura, com uma imensa variedade de pelagens, córneas que chegam a roçar o exagero e o mítico ferro cravado a fogo na descarnada pata traseira. Outros há, que recordam o trágico episódio vivido em Agosto de 1947 na praça de toiros de Linares, onde um carrasco Miura tirou a vida ao Monstro do toureio, o “Manolete”. Alguns lembram-se de pequenos pormenores presenciados em corridas de Miura, daquelas pequenas coisas que para a história do toureio não têm qualquer importância, mas que são marcantes para a história do aficionado. E outros pensarão na “árvore genealógica” do toiro de lide.

        Quando tocam las cornetas y timbales para sair o primeiro da tarde, o silêncio é sepulcral, todos respeitam a fera que vai sair pela porta dos toriles. E quando se diz todos, convém não esquecer os toureiros, esses estão, como é óbvio, mais pendentes ainda do que “irá dali sair”. Já dizia o Maestro Ruiz Miguel: “quando um toureiro se veste de luces para enfrentar uma corrida de Miura, não se veste da mesma forma de quando toureia outra qualquer ganadaria”. E com esta frase que não diz nada, consegue dizer tudo o que vai na alma de quem apresenta a muleta a estes toiros, ele que por 100 vezes, cumpriu o ritual de se vestir de luces para enfrentar corridas de Miura. Ninguém melhor que ele para expressar os sentimentos deste tipo de toureiros.

        Durante o intervalo de tempo que separa o final do toque para a saída do toiro e o aparecimento deste na arena, consegue cheirar-se a expectativa que paira no ar, ninguém desprega os olhos da escuridão que reina dentro da “porta dos sustos”, ninguém tem coragem de dizer uma piada ao companheiro do lado ou dizer um desabafo do género “este nunca mais sai”. O respeito e a expectativa reinam!

        Por fim sai o representante desse património genético tão especial e tão invulgar que é a casta Cabrera. E aí está ele, parado em frente aos toriles, olhando para as bancadas e investindo na atmosfera, como que a desafiar o público para a batalha, como que a dizer-lhe para permanecer em silêncio que o que se vai passar na arena vai ser um jogo de vida ou de morte. Muitos pensam “como é possível este toiro magro ter 650kg?” mas rapidamente essa questão se evapora da cabeça quando veem a cruz do toiro passar ao nível dos olhos do toureiro nos primeiros lances de capote. E se ainda assim algum espectador mais céptico se continuasse a questionar acerca da fiabilidade do peso anunciado, essas dúvidas acabam quando o toiro ao aproximar-se das trincheiras consegue observar tudo o que está para lá delas com a maior das facilidades. São muitos quilos, mas de osso, músculo e sobretudo história! São quilos que assustam, e não quilos que tranquilizam aquele que diante deles se coloca.

        De um modo geral, são toiros que se arrancam “de largo” para o cavalo de picar, empurrando com os quartos traseiros e muitas vezes até é difícil “sacalos” do cavalo, tal é a vontade que estes têm de batalhar. São o tipo de toiros que o picador gosta, porque têm fijeza na montada, córneas amplias, que permite encaixar perfeitamente no ventre do cavalo, de grande porte, o que permite ao picador exercer as suas funções sem receio de deixar o toiro inutilizável para a faena de muleta. São o tipo de toiro que se a vara não entra no local desejado, pode rectificar-se a posição do puyazo sem que o toiro fique disso ressentido todo o resto da faena. Resumidamente são o tipo de toiro do séc. XVIII, onde o picador era a principal figura da festa brava e em que a faena de muleta tinha uma quase inexistente importância.

        Na muleta são toiros incómodos, com investidas muitas vezes descompostas, virando-se muito rapidamente, sem dar tempo a que o matador se coloque para o próximo muletazo, sem repetirem, com alguma frequência apenas investem por um dos pitons, ou seja, são os toiros diante dos quais poucos querem estar e nenhuns se sentem à vontade. Quando passam pela muleta sabem que deixam algo ou alguém atrás, que não a dita muleta, e rapidamente se voltam procurando esse “algo ou alguém”. Ao apresentar-lhe o engano, muitas vezes o toureiro depara-se com um aterrorizante olhar do Miura na sua cintura, e não na muleta, como era suposto e só o valor destes “gladiadores de luces” lhes permite aguentar essa mirada e apresentar de novo a muleta ao irmão do carrasco de Manolete. Diante de um Miura cada muletazo pode ser o último, cada desplante pode resultar em enfermaria, cada estocada pode resultar em funeral! Para além de tudo isto, ainda se diz que estes toiros têm memória, que diante deles não se pode cometer nenhum erro, porque eles vão sempre procurar esse erro, até a tragédia ocorrer. Não passará isto de um mito certamente, mas a verdade é que quem pisa a arena muito dificilmente se esquece deste tipo de coisas.

        Uma faena com um toiro de Miura pela frente é sempre uma verdadeira batalha, o perigo está sempre iminente; no final o matador, se conseguiu sair ileso, está a transpirar “por todos os lados” e se a estocada foi boa, a cara dele espelha uma sensação de batalha vencida, de dever cumprido, como que a pensar “por fim está a ser arrastado pelas mulas”. Introduzindo “Miura” na nossa “fórmula da grande faena” a calculadora dar-nos-ia “ERROR”! É impossível conseguir a faena sonhada frente a estes toiros, até porque será difícil sonhar porque será difícil dormir antes desta corrida… Então e se assim é, por que se continuam a encher as praças quando se anunciam os Miura?

        Simples, porque nestas corridas há expectativa do princípio ao fim, há perigo em cada muletazo, há emoção em cada sorte de varas, há incerteza em cada investida. Mais do que portas grandes e orelhas, na memória de cada aficionado o que fica são os pormenores, e de pormenores estão as corridas de Miura cheias. E quando nos sentamos nas bancadas para ver toiros, vemos muitos pormenores, e por pior que sejam as faenas, nunca acharemos a corrida aborrecida. Já se nos sentamos na expectativa de ver grandes faenas, na maioria das vezes não alcançamos as expectativas e saímos da praça a achar que a corrida foi um “fiasco”.

Imagem retirada de: http://www.car-life.co.za/2010/12/28/the-bulls-ferruccio-lamborghini-named-the-miura-after/

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