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La Fijeza - Duas Faces da mesma Moeda

A glória e a tragédia de Julio Aparicio em Las Ventas
02 de Junho de 2011 - 15:21h Pensamento por: - Fonte: - Visto: 5204
La Fijeza - Duas Faces da mesma Moeda

     Fijeza – Capacidade do toiro investir concentrado em alcançar o engano, centrando nele toda a sua atenção e sem nunca dele se distrair. É uma característica que no toiro bravo actual cada vez se vê com mais regularidade e da qual todos os Matadores gostam! Quando um toiro a tem, o toureiro pode tourear mais relaxado, pisar terrenos mais arriscados, ligar mais facilmente os muletazos e pensar na forma como irá fazer a próxima série. Perante um toiro que “só” vê muleta, o toureiro sente-se descontraído, é mais fácil esquecer-se que na cabeça do seu oponente viajam dois pitons, e que ao seu redor tem milhares de pessoas que pagam para o ver tourear.

        Desta forma quando dos toriles sai um animal com fijeza, em igualdade de outras circunstâncias, é mais fácil para o matador conectar-se com os tendidos. Quer seja através de séries de 7 ou 8 muletazos, caso o toiro tenha fundo e repita, quer “metendo-se entre os cornos” e “arrancando” muletazos de forma pouco ortodoxa (mas com grande valor) caso o toiro lhe custe a investir.

        Dito desta forma parece que ao introduzir a fijeza na fórmula da “grande faena” será impossível que o resultado seja tragédia. E assim seria se o toureio fosse uma ciência exacta, em que introduzindo uma série de dados numa fórmula predefinida pelos aficionados o resultado fosse sempre igual. Por sorte, assim não é, ainda está para nascer o primeiro que consegue saber o que se vai passar na corrida de amanhã, e é precisamente essa imprevisibilidade que continua a levar as pessoas às praças de toiros.

        Um dos casos mais dramáticos em que a fijeza foi o actor principal ocorreu em Las Ventas a 21 de Maio de 2010, na 16ª corrida da feira de San Isidro, onde esta característica tão desejada por todos os intervenientes na festa brava levou a que Julio Aparicio saísse em ombros, não pela porta grande, mas sim pela porta da enfermaria. O que se passou foi chocante até para os mais insensíveis!

        Depois de duas séries de derechazos, o Jabonero albahío que Aparicio tinha diante de si ainda não se tinha deixado revelar, mas parecia ter um bom piton esquerdo, pelo menos isso tinha aparentado nas boas verónicas que valeram ao matador a primeira ovação da tarde. O Maestro não estava muito seguro do que tinha à sua frente, mas uma coisa era certa – o toiro tinha fijeza. Assim, havia que segurar a muleta com a mão esquerda e começar uma nova série. 

        Depois de um primeiro passe, onde o toiro se limitou a perseguir o engano com a cara alta, e de um segundo mais largo e onde o toiro já humilhou um pouco mais, Aparicio afasta-se um pouco do exemplar de Juan Pedro Domecq, e coloca-se noutras distâncias numa tentativa de que o toiro investisse com mais transmissão, só assim conseguiria conectar-se com a “fria” afición madrileña. E aí colocado, apresentou-lhe a muleta novamente pelo lado esquerdo. É então que se dá um compasso de espera por parte do toiro e do toureiro, os dois pensando o que iria acontecer no próximo muletazo, como que a prever que algo importante poderia começar ali. Mas pronto esse compasso de espera é interrompido pela investida do toiro, que foi suavemente embebida na muleta até onde o braço do Maestro alcançou. E este poderia ter sido o primeiro de muitos naturales largos, templados e ligados, caso a pata esquerda do animal não tivesse colidido com o pé esquerdo do toureiro, levando este ao solo.

        Uma vez no chão, Aparicio apresentava-se completamente à mercê do toiro, e foi aí, onde no desespero de fazer o quite, apresentou a muleta pela última vez ao seu oponente, e este, mais uma vez fez juízo à sua condição de fijo e voltou a nela investir. Por azar, para o toureiro, desta vez nas “costas” da muleta não se encontrava atmosfera mas sim o seu pescoço, local onde o inocente animal, num derrote de baixo para cima, a olhos vendados com a muleta, introduziu o seu aguçado piton direito, saindo à boca do Maestro e levantando-o assim do chão pelo maxilar inferior. Difícil de tirar esta imagem da cabeça, uma colhida excessivamente arrepiante! De tirar a vontade de continuar a ver a corrida.

        Foi a boa condição de fijeza que não permitiu a Aparicio escapar da investida do toiro que após o muletazo, onde o Maestro se desequilibrou, prontamente se voltou e continuou a perseguir o engano que Aparicio se recusou a largar mesmo depois de se encontrar no solo. É impressionante a infinidade de situações passíveis de ocorrer durante uma faena! Felizmente será quase impossível voltar a haver uma colhida semelhante a esta. 

        E esta é a imagem que muitos aficionados têm na cabeça quando se fala em Julio Aparicio. Mas há uns quantos milhares de amantes da festa brava que, por sua vez, quando ouvem esse nome vem-lhes à memória a imagem de um jovem matador, vestido de vermelho, com a cara lavada em lágrimas de felicidade, pregado no centro da arena, guardando as suas duas primeiras orelhas de Madrid, entre a chaquetilla e o seu coração. Esta será sempre a imagem que as pessoas que estavam sentadas nas bancadas de Las Ventas no dia 18 de Maio de 1994 irão recordar de Aparicio, então um quase desconhecido matador de toiros, que confirmava a alternativa em Madrid.

        O certo é que esse dia se fez história no toureio, com uma faena que mais se parecia com um sonho. Que culminou com uma estocada do outro mundo. Aparicio essa tarde estava completamente entregue mas nem ele próprio esperaria fazer uma faena de tal dimensão, tanto assim foi que depois de o toiro cair ao solo o toureiro não acreditava no que tinha acontecido, as suas pernas tremiam, os seus olhos derramavam lágrimas continuamente, não sabia onde se dirigir, com quem falar, se havia de estar de pé ou sentado, enquanto todas as quadrilhas o felicitavam, todos os jornalistas lhe faziam perguntas mas ele não ouvia ninguém, ainda não tinha descido à terra, continuava no sonho.

        Foi então que, quando o Alguacilillo lhe entregou as orelhas, ele desceu finalmente à terra, e viu que tinha toda a afición de Madrid de pé a aplaudi-lo a ele e ao touro. Deu duas voltas à arena mas as orelhas não as mandou para os tendidos, guardou-as bem entre a chaquetilla e o seu coração. 

        E o que tem isto a ver com la fijeza!? Pois bem, é que este toiro para além de humilhar, repetir, investindo a trote, de ter um bom fundo, etc. etc. também tinha muita fijeza, foi um toiro que, em comportamento, muito se assemelhou com o que depois, passado 16 anos lhe saiu na mesma praça e lhe destroçou a boca devido a um pequeno toque entre a pata do toiro e o seu pé. Quiçá se Aparicio não se tivesse desequilibrado nesse pequeno toque a fijeza desse toiro lhe tivesse proporcionado momentos tão bonitos como os que naquela praça viveu no dia da confirmação da sua alternativa. 

        E assim temos a prova de como a vida está feita de pequenos detalhes e isso pode ver-se representado numa corrida de toiros onde cada pequeno detalhe pode ditar o triunfo, a glória, o fracasso ou a tragédia de um toureiro.  

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