Assunto: Vosso editorial de 22/07/2016, “Touradas e Clientelas Políticas”
Em plena silly season do ano passado o jornal PÚBLICO deu à estampa uma entrevista à, à altura, protocandidata do PAN (Pessoas, Animais, Natureza) às últimas eleições presidenciais. Do que a sabedoria da entrevistada derramou sobre os leitores, recordo apenas o grotesco da sua perturbação e a crueldade da sua zanga com a gata lá de casa por lhe ter acabado de comer um pássaro recente que, talvez engaiolado, haveria de servir o seu urbano deleite com a maravilhosa natureza.
Em coerência com a roda dos alimentos sem produtos de origem animal proposta no seu programa eleitoral, o Sr. Deputado eleito pelo PAN ainda nos há-de querer doutrinar como àquele incivilizado felídeo - que comamos couves!
Mas lá que este Sr. Deputado nos queira pôr a verduras, chame a debate o sexo com animais, a proibição de circulação na via pública de veículos de tracção animal, ou que proponha o fim das touradas, está no seu direito. É risível e algo assim entre uma excentricidade, uma demasia e um desconchavo, mas é a democracia a funcionar e não me arrelia que parte dos meus impostos se destine à representação de 1,39% dos meus concidadãos que nele votaram.
Já coisa diferente se passa com a contribuição que, desde a sua fundação, faço diariamente para o jornal PÚBLICO. É que, neste caso, preocupa-me que os meus quinhentos euros anuais se destinem a ajudar a pagar o vencimento a quem, utilizando este palco, alinha numa sanha persecutória contra as touradas. Desde logo porque produzir um libelo snob para acossar, desrespeitar e apoucar os aficcionados das corridas de touros, fazendo campanha pela sua proibição, está muito longe das práticas que ajudaram a construir o inestimável património de credibilidade deste jornal ao longo dos últimos vinte e seis anos.
Efectivamente, no editorial de 22/07, com o tema em assunto, somos informados que os que estão contra as touradas foram representados no Parlamento por PAN, PEV e BE e “fazem parte de movimentos cívicos com tendências de comportamento que evidenciam uma crescente sensibilidade pelos direitos dos animais”. Os que são a favor foram defendidos por PSD, PS, CDS e PCP e “estão indiferentes, alheados e muito distantes daquelas preocupações e daqueles avanços civilizacionais”. E porque é que o editorialista acha que a estes quatro partidos não é possível a coragem de “sairem de trás do biombo” para verem a luz e têm que se sujeitar ao fundamento da sua posição com “blá-blá-blá” como a “tradição cultural” e “valores estéticos”?!! Ora, esclarece-nos, para não perderem votos na “corte camarária” que, pelos vistos, seremos nós, os quase 90% de portugueses que votaram naqueles quatro partidos e nos constituímos na sua lerda clientela política. Parece até que, a viver assim no obscurantismo, dificilmente nos será possível aceder a um nível de esclarecimento que nos permita subir ao Olimpo autárquico e aí termos acesso à suprema felicidade de virmos a eleger Deuses dos Verdes, do Bloco ou, se para tanto nos medrar o intelecto, talvez mesmo do PAN!
“Dissolva-se o povo e eleja-se outro” já satirizou Bertolt Brecht. Por mim, apenas não alcanço o racional de uma clique modernaça e jactante que, no seu dogma asséptico, se ensimesma em peças como este acintoso editorial. Acha-se bem-pensante mas arrepia-se face a qualquer expressão de ruralidade que vá para além do diletantismo do seu fim de semana turístico. Afinal, o que mais uma vez acaba por ficar provado é que a obsessão pela sua própria diferenciação facilmente os conduz à intolerância com a diferença, não hesitando mesmo em assediar moralmente quem deles destoa.
Bem sei que até um jornal de referência como o PÚBLICO pode aproveitar a silly season para ter os seus dias de alinhamento animalista. No entanto, em 22/07, ao deixar-se vincular assim por um panfleto preconceituoso e de facção, viu-se colocado ao serviço do mais desbragado bullying do “politicamente correcto”. Ora isso está para além de um momento infeliz provocado por um jornalista desajeitado em serôdia demanda da sua causasinha fracturante, para se constituir em verdadeira delapidação do capital de prestígio deste jornal.
30 de Julho de 2016,
Joaquim Varela do Nascimento,
Agricultor
Ervedal-Avís
P.S. - Na argumentação do editorial vem citada uma parte do projecto de lei do PAN para alegar que "os subsídios que deviam ser destinados pelo Ministério da Agricultura para a produção de bens alimentares são aplicados na ajuda à produção de um evento de mero entretenimento - a tourada”.
Proponho ao escrevinhador da coisa uma versão igualmente alienada para tentar que perceba o seu ridículo: os subsídios que, na Sonae, deviam ser destinados pela família Azevedo para a produção de bens industriais e supermercados são aplicados para sustentar um mero capricho - o PÚBLICO. Cá está! Às tantas, isto da demagogia também chateia, não é?