A quinta de Paio Correia, em Torres Vedras, é fonte de ar puro, tranquilidade e inspiração. É aqui que António Maria Brito Paes passa os dias a treinar. Aficionado ao campo, ao toiro e ao cavalo, ”Mia” comemora este ano 10 anos de alternativa. O Tauródromo foi conhecer os seus projectos para esta temporada.
Quem é o António Brito Paes?
O António Brito Paes é uma pessoa muito aficionada ao campo, ao toiro, ao cavalo à equitação e que tenta ir o mais longe possível como toureiro e equitador.
Como recorda a sua infância?
Tive uma infância ligada ao campo mas não me lembro da primeira vez que montei a cavalo, não me lembro da primeira vez que fui a uma corrida de toiros, ou seja, a minha vida foi sempre esta. Ouvia o meu avô e o meu pai fazerem as críticas às corridas, ou seja, eles tentaram cultivar-me tauromaquicamente como aficionado, a nível equestre e como homem. A todos os níveis.
Porquê a alcunha de Mia?
Não sei, penso que sempre me chamaram assim. Não sei se era a minha irmã quando era mais nova que não era capaz de dizer António Maria e chamou-me Mia uma vez que eramos muitos Antónios lá em casa, eu era o terceiro, penso que foi por isso, não sei.
O que sente antes de entrar na arena?
Uma grande responsabilidade porque também tenho um nome a defender, tenho uma dinastia, a responsabilidade de apresentar os cavalos bem arranjados e bem-postos. A responsabilidade não é o medo do toiro, é o querermos fazer a melhor figura dentro da arena para agradar o público e para tentarmos também arranjar novos compromissos.
Como define o seu estilo de toureio?
Penso que o meu estilo de toureio é um estilo clássico, mas ao mesmo tempo penso que o toureio veio a evoluir. Penso que devemos evoluir com o toureio e tirar o máximo partido dos cavalos. Se eu tiver um cavalo a fazer umas batidas, a ir ao piton de fora não os vou desperdiçar, nem vender a outro toureiro. Tenho que os encaixar na minha quadra, portanto tenho que tirar partido disso. O bom cavaleiro também é isso, tirar o máximo de rentabilidade do cavalo.
Qual foi a corrida até hoje que mais o marcou?
Uma delas foi a minha alternativa. Foi um cartel praticamente sonhado com um padrinho que eu respeito muito no toureio o João Moura. Figura há muitos anos, é um dos meus grandes ídolos no toureio. Depois penso que foi uma actuação muito boa e muito conseguida numa corrida televisionada que teve um certo impacto naquela altura. Foi uma corrida muito importante para mim a nível pessoal, quando temos uma actuação bastante boa sentimo-nos realizados pelo trabalho pelo esforço. A confirmação da alternativa no Campo Pequeno foi também uma corrida televisionada com um cartel muito bom resultou na perfeição. Lembro-me perfeitamente de sair na última volta à praça e pensar posso não conseguir mais nada a partir de hoje, mas valeu a pena trabalhar até aqui. Sabe que são muitas horas de trabalho, muitos sacrifícios. Quando somos miúdos todos os amigos saem à noite vão para a praia e nós não podemos porque temos corridas, temos de treinar. São sacrifícios muitos grandes, por outro lado acaba por não ser nenhum sacrifício porque fazemos aquilo que gostamos. Mas depois quando as coisas resultam dentro da praça é muito gratificante.
Já alguma vez se sentiu injustiçado ao não integrar determinado cartel?
Sim, já me aconteceu várias vezes ganhar o prémio para a melhor lide e no ano a seguir estar fora do cartel. Por isso digo que os prémios não fazem sentido. Ou então, o estarmos bem numa corrida e os prémios serem atribuídos a outros colegas. Não fico triste porque a atuação não foi pior por causa disso, não era o prémio que iria melhorar a atuação. Mas ao fim ao cabo saímos pisados da situação.
Actualmente acha que existe competição dentro da praça?
Acho que há competição, mas podia haver mais. Não a nível de prémios para a melhor lide, que talvez não devesse de haver. O melhor prémio que poderia haver era o triunfador repetir. Esse é que deveria ser o prémio. Mas há sempre competitividade porque todos nós queremos sempre ser os melhores. Ser o mais falado no final da corrida, mas podia haver mais competição dentro da praça.
Expectativas para esta temporada?
São boas! Tenho praticamente uma quadra nova. Tenho cavalos novos. O cavalo mais velho tem oito anos, e uma quadra muito nova mas com muita qualidade, penso que estão postos, estão preparados para os desafios. Estou bastante moralizado porque é uma quadra bastante completa, penso que pode trazer-me coisas novas e ajudar-me a dar mais um passo na minha carreira.
Como é composta a sua quadra?
O cavalo mais velho que tenho tem oito anos chama-se “Caramelo” é um cavalo de saída, seguro que tem tido um pouco de altos e baixos. Um cavalo cruzado, agora começa a estar maduro. Depois tenho 3 cavalos do nosso ferro, o “Estribilho”, filho do “El Negro”, que foi um cavalo que deu muitos bons cavalos, e também é um cavalo de saída, muito seguro e que me dá muita confiança. Depois tenho outro cavalo que é o “Evasivo” cavalo com o ferro José Carlos Gomes da linha do “Morante” do Ventura e do “Viriato” do Pablo. É um cavalo muito bom, não sei se vai ser craque, mas é daqueles cavalos que vai servir para resolver problemas, e que nós toureiros devemos ter na quadra. O “Estoque” é um cavalo com o nosso ferro, é um luso-árabe, cavalo muito bom, muito completo, com muita classe, acho que é muito brilhante a tourear e pode ser um cavalo que pode marcar a minha temporada. Depois tenho outro do nosso ferro, o “Êxito”, um cavalo luso-árabe já só com um quarto de árabe, a mãe é lusitana filha do “El Negro”, o pai é um luso-árabe filho de um Vinhas que acabou na quadra do Sérgio Galan que era o “Nero” ele chama-lhe o “Capea”. É um cavalo muito seguro, fácil com muita habilidade. Penso que vai ser um cavalo muito bom de bandarilhas. Há um cavalo com um ferro do Pablo que é o “Dante”, é um cavalo que pode muito bem com os toiros, dobra-se muito bem. É um cavalo muito completo para nós em Portugal. Lida muito bem a sesgo, é um cavalo que toureia os toiros todos. Penso que em Portugal precisamos destes cavalos. Depois tenho mais três ou quatro cavalos que vou estrear este ano. Um cavalo Palomino muito bonito de um amigo meu, Paulo Lemos, filho de um cavalo que esta na quadra do Ventura que na minha quadra chamava-se “zarco” e agora tem por nome “Remate”. É um cavalo fácil, brilhante que faz um piafé e uma passaje muito bonita, é muito expressivo na cara do toiro. É um cavalo que vai destacar-se esta temporada. Depois tenho mais um ou outro cavalo com o nosso ferro, portanto, um ou outro vai estar capaz de sair.
Há previsões de tourear esta temporada no Campo Pequeno?
Previsões não sei. Eu ainda tenho uma certa esperança de tourear na segunda parte da temporada no Campo Pequeno. Gostava de lá tourear, até porque não foi uma coisa que tenha feito muito muito alarido, mas este ano faço dez anos de alternativa. A nível profissional e pessoal gostava de tourear uma corrida na primeira praça do país esta temporada.
Que balanço faz destes 10 anos de alternativa?
Faço um balanço muito positivo, porque julgo que isto de ser toureiro tem que andar tudo muito devagar. Temos de saber montar a cavalo, temos de saber andar muito bem dentro da praça, saber muito bem os terrenos do toiro, arranjar uma quadra à medida, e depressa e bem não há quem. Julgo que é preciso muita maturidade e tempo para conseguirmos estar à vontade dentro da praça e conseguirmos tirar o máximo partido do cavalo e do toiro, tendo a pressão do público. Penso que tem sido positivo, porque sinto-me todos os anos a dominar e aprender um pouco mais. É lógico que queremos sempre mais. Eu estou disposto a aprender e evoluir o máximo que conseguir. Quero ir o mais longe possível.
Como faz a preparação para uma corrida?
Eu ao contrário de muitos toureiros monto muito mais de picadeiro do que toureio ou treino com vacas. Primeiro porque hoje em dia as vacas são caras. Dou muita tourinha ao cavalo e arranjo de picadeiro, muita confiança no touro manso e na tourinha. Penso que os cavalos quando chegam à praça se tiverem demasiadamente toureados em casa deixam de ter menos reflexos e são menos expressivos. Eu lembro-me de ler uma entrevista do Manzanares, em que ele dizia que nas vésperas das corridas não toureava ou praticamente quase vacas nenhumas para quando chegasse à praça estar a gosto e dar importância ao toiro. Com os cavalos é a mesma coisa, se tiverem muito “avacados”, deixam de ter a tal expressão de transmissão que nós gostamos.
Que tipo de toiro/encaste gosta mais de lidar?
O mais fácil dentro do toureio moderno, o Murube, é o que qualquer toureiro gosta. É o que nos deixa tirar partido do cavalo que tem evoluído, como por exemplo, o ladear, o fazer piruetas na cara do toiro. Permite-nos fazer um toureio mais moderno, é um toiro mais cómodo. O toiro tem é que vir pelo seu caminho, humilhar é o mais importante. Se vierem com mais força ou menos força nós temos de estar preparados para eles. O que acho é que em Portugal confundimos bravura com braveza.
No dia 3 de Novembro de 2014 sofreu uma queda durante uma corrida às lebres. Como foi esse período a nível de preparação para esta temporada?
O período foi complicado, não é fácil estar ao pé dos cavalos e não poder montá-los. Graças a Deus superei muito bem. Tive pessoas que me ajudaram, tenho um grande grupo de amigos que me ajudou bastante (emocionado), foi um acidente que podia ter dito consequências muito graves. Mas graças a Deus tudo correu bem.
A família nesse aspecto é o seu grande pilar?
Sim, sem dúvida! O meu irmão Joaquim e um grupo de amigos sob a minha orientação vinham montar os cavalos. E realmente as coisas correram bem. Estive o inverno todo parado vou ter 3 ou 4 cavalos novos para estrear este ano, isso quer dizer alguma coisa. Passo dias e dias que não penso no acidente, naquilo que me aconteceu. Tentei recuperar a 100 por centro, fui à fisioterapia, segui todos os conselhos médicos, quando me senti totalmente bem comecei a montar a cavalo. Logicamente monto a cavalo todos os dias sem pensar no que me aconteceu.
É exigente consigo mesmo?
Sim, o pormenor faz a diferença. Há uma grande crise, mas se nós formos bons no que fazemos temos o nosso lugar. Sou exigente comigo mesmo, como equitador, todos os anos monto com um equitador diferente. Já estive em dez ou doze sítios para montar. O ano passado estive na Alemanha. Quero evoluir ao máximo. Não posso depender da tauromaquia, é muito difícil viver apenas do toureio. Tenho explorado a equitação. Tento ser bom equitador porque é uma mais-valia, portanto, ao andar bem de cavalo posso fazer a minha vida em qualquer área da equitação. O meu método tem sido montar bem, seguir a equitação à regra e tenho ganho muito com isso. Quando os cavalos estão bem-postos dentro da praça é mais fácil.
É supersticioso ou tem algum ritual antes das corridas?
Não sou nada supersticioso. Não tenho nenhum ritual antes das corridas.
Quando as coisas correm menos bem onde vai buscar forças para superar as críticas negativas?
Nós ganhamos maturidade, hoje o estarmos mal num treino não quer dizer que manhã corra mal. Quem é exigente comigo é o meu pai, faz bem, até é bom. Mas por vezes de tão exigente que é, acaba por ser um bocadinho de mais.
Já apanhou vários sustos dentro da praça?
Já cai 4 ou 5 vezes com grande aparato. Caí uma vez em Beja, parti o pé, o cavalo escorregou para cima de mim. Depois foi uma vez nas Caldas que o toiro enganchou o cavalo pela mão e fui pendurado no cavalo até que o cavalo deu uma cambalhota, mas saí a tempo. Entre treinos e corridas caí sei lá 20 e tal vezes, apanha-se uns sustos. Temos de guardar memórias das partes boas das situações. É lógico que o perigo está sempre à espreita. Hei-de cair mais vezes, nunca é a última, mas tentamos não nos lembrar delas.
Sonhos ainda por concretizar?
O sonho maior é ser figura do toureio. Que o público me respeite ao máximo e que eu vá o mais longe possível como equitador e toureiro. É para isso que luto todos os dias.
Como vê o actual panorama taurino em Portugal?
Está estranho! Mas se fosse só o panorama taurino, o país estava bom. A crise que temos a nível político e económico reflete-se também na tauromaquia. Se tivesse tudo a andar bem nós taurinos estávamos todos do melhor.
Também toureou em Espanha, quais são as diferenças entre um país e outro?
A nível tauromáquico os espanhóis respeitam-nos muito mais. O toureiro é um ídolo, um artista. Há uma cultura taurina muito maior em Espanha do que em Portugal. É outra coisa! Os espanhóis têm brio no que fazem, por exemplo têm brio quando se vestem de toureiros. Como eles dizem antes de serem, têm de parecer.
Considera que há muitos toureiros para o número de corridas que se realiza em Portugal?
Há um leque muito grande de toureiros para as corridas que se dão, mas o que temos de ver é que Portugal é um país muito pequeno, depois há muitas corridas perto umas das outras. Se eu vir dois ou três toureiros várias vezes num mês depois não me apetece ir a outras corridas. Se fosse uma coisa barata, se os bilhetes fossem baratos, as portagens baratas, o gasóleo fosse barato, talvez houvesse mais pessoas na praça. Como não há dinheiro as pessoas selecionam o cartel que mais gostam e vão à corrida que mais lhes interessa. Portugal é muito pequenino para essas corridas todas.
A nível de apoderamento esta foi a escolha acertada?
Penso que sim. O meu antigo apoderado foi o Francisco Penedo, depois de termos terminado andei cinco a seis meses a pensar em quem poderia ter confiança para ser meu apoderado. Conhecia o Rui minimamente, arrisquei e o Rui acreditou em mim. Acho que foi a decisão certa por duas razões, primeiro porque é uma pessoa de quem eu gosto muito, bem formada que acredita no toureiro, para mim isso é importante, segundo, porque é uma pessoa que fala a nossa língua, muito aficionada. Estou bastante contente, defende-me bem, dá a cara por mim.
Uma mensagem para os aficionados….
Que tentem dar força e apoio aos toureiros mais novos, no fundo que nos acarinhem mais. Todos temos tardes boas e tardes más.
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