Vilafranquense, 38 anos, a vida deu-lhe a paixão pelo toureio a pé. É um Homem de poucas palavras, observador e ao mesmo tempo um verdadeiro sonhador. Dá tudo para desfrutar e sacar uns bons muletazos na cara do toiro. Conheça o mundo do aficionado prático Ricardo Catita.
Taurodromo: Como nasceu esta paixão pelo toureio?
Ricardo Catita: Nasceu em Vila Franca de Xira naquele ambiente que se respira, nas esperas de toiros, nas corridas. Foi algo que aconteceu naturalmente.
T: Quem é o Ricardo Catita?
R.C: Um aficionado à festa de toiros. Um apaixonado pelo toureio a pé.
T: Como descreve o ser aficionado?
R.C: Na minha maneira de ver é uma pessoa que gosta do toiro, da festa de toiros, que se preocupa com a festa e que tenta disfrutar ao máximo dela.
T: Um toureiro de rua não é valorizado?
R.C: Um toureiro de rua é por norma um factor depreciativo neste mundo. Há toureiros de rua que brincam com os toiros e há outros a tentar lidar toiros, coisas completamente diferentes. Mas isso é praticamente impossível tentar separar e tentar justificar alguma coisa. Eu gosto é de tourear. Tento tourear à minha maneira, como aprendi. Neste caso nas ruas é onde temos acesso, onde tudo se torna mais fácil para nós.
T: Arrisca a vida nas largadas, quantas cornadas sofreu até hoje?
R.C: Cornadas já levo 8. Eles raramente me tocam, mas quando o fazem têm sido " generosos".
T: Qual delas a mais grave?
R.C: A última em Vila Franca de Xira. Foi uma colhida que me deixou com muitas limitações físicas e psicológicas. Foi a mais difícil de recuperar e ainda arrasto sequelas dela, no entanto, para voltar a pisar o sítio, voltar a ficar na cara do toiro não foi fácil.
T: Qual a opinião da família?
R.C: A família diz que já chega. Para ter cuidado, as preocupações normais de quem gosta de nós.
T: É o medo é o que o faz ir à cara do toiro?
R.C: O medo está sempre presente. Habituamo-nos a viver com ele, sem o medo não desfrutávamos. Mas o prazer que tiramos na cara do toiro, quando roubamos um ou dois muletazos sentidos, julgamo-nos os mais importantes naquele momento. É uma paixão.
T: Já ponderou em abandonar estas lides?
R.C: Já pensei, até gostava de me afastar um pouco do mundo das largadas mas duvido que seja possível. Não consigo.
T: Dá tudo para dar uns bons muletazos...
R.C: Tudo. (risos) Desfrutar na cara de um toiro é o máximo. É o realizar sonhos, é o melhor que podemos ter, é uma paixão.
T: Como aficionado prático que toureio leva dentro?
R.C: Como aficionado prático tento seguir as regras bases do toureio. A pureza. Lógico que tentamos fazer as coisas com as quais mais nos identificamos. Há toureiros que me dizem mais que outros e quer queiramos ou não, vamos assimilando movimentos, passes, muletazos, que tentamos imitar à nossa maneira.
T: Como por exemplo, um Morante, José Tomás, um Juli…
R.C: Um Morante, José Tomas, um El Juli, um Finito de Cordoba, Juan Mora. Outros retirados como Curro Romero, Rafael De Paula. Há toureiros mais modestos que eu gosto de ver tourear um Fernando Cruz, um Leandro Marcos, um Cuqui de Utrera. Há vários toureiros que me enchem.
T: Retira um pouco de cada um?
R.C: Tento retirar o mais puro, o que mais me toca. A colocação, as distâncias, etc. Também aprendo com bandarilheiros, novilheiros e aficionados. No fundo tento adaptar as minhas capacidades físicas e psicológicas, para colocar em prática o toureio que levo dentro.
T: Sei que faz parte de um grupo de aficionados práticos que se reúnem várias vezes e fazem uma série de quilómetros para desfrutarem de uns muletazos...
R.C: Sim é um grupo de aficionados práticos que existe sensivelmente há um ano, onde uma vez por mês o fazemos. Queremos continuar a crescer e tentamos que haja outro tipo de abertura por parte dos nossos ganaderos, porque ainda é difícil aceitar em Portugal os aficionados práticos.
T: O que deveria mudar em Portugal para a uma maior visibilidade do toureio a pé?
R.C: Primeiro os ganaderos apostarem numa maior seleção do toiro para o toureio a pé, a partir daí os espetáculos poderiam aumentar em qualidade, aumentava de certeza a qualidade dos nossos novilheiros, assim como, a sua projeção. Acima de tudo, fomentar as corridas mistas. Em Portugal a corrida apeada ainda não resulta. As mistas são importantes para voltar a existir aficionados e praticantes do toureio a pé. As escolas têm alguns miúdos, mas eles não veem o futuro, não vêem a luz ao fundo do túnel. Rapidamente desistem e passam a bandarilheiros ou desistem totalmente da festa brava.
T: Tem muitas histórias para contar, qual a que mais o marcou até hoje?
R.C: Há muitas. A última foi estar em casa de um ganadero Espanhol. Poder falar com matadores de toiros, grandes figuras do toureio e receber algumas palavras de incentivo.
T: Que tipo de palavras ouviu?
R.C: O darem valor à nossa afición, muitos não acreditam que haja, em Portugal, aficionados como nós, que tentam levar e lutar pelo toureio a pé ou que sejam entendidos da festa. Ficam surpreendidos.
T: Existirem mais aficionados práticos seria relevante para a continuidade do toureio a pé no nosso país?
R.C: Pelo menos na bancada vão estar pessoas que consigam perceber e entender o que o toureiro está a fazer, valorizando o seu esforço, ver as qualidades ou falta delas nos toiros. Atualmente há poucos aficionados, cada vez menos.
T: Ao toureio a pé, a cavalo ou na generalidade?
R.C: Na generalidade há poucos aficionados a entenderem o toureio e o toiro. Muitos esquecem que se trata de uma corrida de toiros e não de uma corrida de cavalos, ou toureiros. A festa ainda é uma corrida de toiros e há pouca gente que entende de toiros.
T: Seria importante haver um maior conhecimento do toureio e do toiro?
R.C: Sim do toiro em si. Deveria haver mais conhecimento do toiro para poderem avaliar as condições de lide de cada toiro e a lide que o toureiro está a desenvolver. A brega no caso dos bandarilheiros ou até mesmo dos cavaleiros. Muitos nem bregam. Há muitos que nem conhecem os terrenos do toiro, as crenças, depois o que vimos é um espetáculo montado, à volta de um cavalo que tem alguma habilidade. Temos que ver a mesma lide semana após semana porque não sabem outra, os peões de brega a tirar andamento aos toiros para não se notar as carências dos cavaleiros, etc. Os ganaderos deviam subir a casta aos toiros, está a faltar emoção na arena. Existe excesso de cavaleiros, bandarilheiros e forcados porque o toiro está "nhoc, nhoc".
T: Considera importante um crítico taurino colocar-se à frente de uma rês brava para entender melhor o toureio?
R.C: Qualquer pessoa deveria experimentar pelo menos uma vez para poder fazer uma avaliação, sendo crítico ou não, mas especialmente um crítico julgar o trabalho de alguém sem conhecimento de causa é complicado. Também depende da sua formação. Eu leio muitas crónicas que simplesmente não correspondem à corrida que eu vi, ou vê-se uma tendência marcada por determinados toureiros, ou por certos ganaderos e que não contribui em nada para a festa. Deveria de haver uma maior isenção e conhecimento. Ao ler blogues, Sites e publicações nacionais, dá para ver que muitas das coisas não correspondem ao que se passa na arena. Há toureiros que continuam marginalizados há uma série de tempo apesar de executarem boas temporadas sucessivamente.
T: Num momento de desbafo e alegria, em Novembro do ano passado afirmava que “apesar de ser uma bezerra pequena conseguiu parar o tempo ao desenhar uns bons muletazos”…
R.C: Sim, isso é uma frase que se utiliza na gíria taurina. Todos os toureiros ambicionam um dia entender esse momento que se torna mágico. Quando isso acontece atingimos o máximo, é algo que se aspira e se sente no momento.
T: Há uma frase curiosa “Aquilo que te dá frio na barriga é o que vale a pena” podemos aplicar esta máxima ao toureio?
R.C: Pode. Porque o que nos altera ou que altera o nosso subconsciente é porque tem muita força. E no toureio isso acontece. Pelo menos comigo.
T: Dizem que os vilafranquenses não vão aos toiros…
R.C: Para mim é complicado aceitar isso. Faço questão de ir às corridas quase todas em Vila Franca desde que possa mas não sei explicar. Na rua fala-se muito de toiros, nos cafés toda a gente gosta muito de falar de toiros, mas depois na hora não vão à praça. Muitas vezes também os vilafranquenses aderiram, houve ultimamente praças quase esgotadas na Palha Blanco e ninguém ainda deu menção a isso. Por isso, não é tanto como se diz. Na realidade a Palha Blanco podia ter outras molduras. Houve cartéis bastante bons, mas não tiveram a aderência suposta, especialmente no toureio a pé quando se diz que é a Sevilha portuguesa, ficaram aquém das expectativas em termos de bilheteira. Também as corridas mistas não têm tido tanta afluência como seria de esperar. Melhores dias virão.
Olé!
Fotos gentilmente cedidas por Ricardo Catita.