Nasceu no seio de uma família humilde e sempre sonhou ser toureiro. Com um percurso de vida repleto de histórias para contar e consciente das suas capacidades profissionais e intelectuais, Ernesto Manuel é um amante da tauromaquia. Tirou a alternativa de bandarilheiro profissional a 14 de Agosto de 1983 na Figueira da Foz. Esta temporada comemora 30 anos de alternativa.
Quem é o Ernesto?
É talvez a pergunta mais difícil de ser o próprio a responder… Considero-me bom filho, bom Pai e muito amigo do meu amigo. Sou um trabalhador sério em tudo o que me confiem, bom profissional, responsável, humilde e consciente das minhas capacidades profissionais e intelectuais.
Como foi a sua infância?
Venho de uma família humilde. O meu Pai tinha a arte de sapateiro, a minha Mãe trabalhava no campo. Nasci em casa, tal como os meus irmãos, o Filipe, mais velho, e a Quitéria, mais nova, na aldeia de Calhandiz concelho de Vila Franca Xira.
Todos nós temos um herói e esse foi o meu Pai, pelos maus e bons momentos e ensinamentos da vida e da força que me transmitia. A minha infância foi bastante humilde, mas com uma grande riqueza de educação e valores transmitidos pelos meus Pais.
O meu gosto pela arte de tourear e tudo referente ao mundo dos toiros, começa na minha infância… Desde os meus 7anos que ia assistir aos touros a Arruda dos Vinhos no dia 16 e 17 de Agosto, com o meu Pai, no suporte da bicicleta. Em minha casa não havia televisão e às quintas-feiras a RTP transmitia, em direto, as corridas do Campo Pequeno. Os meus pais iam sempre ver e eu ia sempre com eles ao café do Sr. Augusto ou ao Sr. Custódio, que eram os únicos que tinham televisão na aldeia. O Sr. Custódio tinha um filho, o António Manuel, que andava a aprender para toureiro na Quinta do Matador de Toiros José Júlio, perto de Vila Franca de Xira. Numa certa quinta-feira apanhei os meus pais a ver a corrida e, sem saberem, fui na bicicleta do meu pai ver o treino do António Manuel, e foi determinante de tal ordem que pouco tempo depois já aí treinava também para aprender a tourear.
O seu percurso de vida até aos dias de hoje...
Aos 12 anos, concluída a escolaridade mínima obrigatória na altura, fui trabalhar para um talho em Alverca, já pensando que daí advinha a possibilidade de criar contacto com algum taurino e poder assim aprender esta nobre profissão.
Iniciei a minha atividade nos talhos, no talho do Carmindo como aprendiz, claro, vendo como se fazia a desmancha das carnes e cortes. Não é por acaso que se chama a “Arte de Cortador”, é mesmo arte saber desmanchar e cortar as carnes para melhor rendimento e melhor qualidade das mesmas. Entregava de casa em casa as encomendas que os clientes pediam para entregar. Gostava tanto do que fazia que, rápido, me puseram a desmanchar peças e a cortar as mesmas e ao balcão a cortar para os clientes. Aos 16 anos já era encarregado de um outro talho e dava formação aos restantes funcionários. Já nessa altura escolhi o talho porque entendia que por aí chegaria ao meu desejo que era ser Toureiro, e assim foi felizmente.
Conheci o Jacinto Fernandes em casa do António de Portugal e, com a influência dele, tive as primeiras aulas de toureiro com o Sr. António Cadório na Praça de Touros de Vila Franca de Xira. Entretanto fui para a Golegã levado pelo Maestro José Júlio com quem já treinava em Vila Franca de Xira há alguns anos. Aqui fui para a Escola do Maestro Patrício Cecílio que era um dos mais conceituados professores de Tauromaquia em Portugal. Foi muito bom o que aí aprendi, ou seja, tudo o que havia para aprender sobre o mundo tauromáquico e que, posteriormente, desenvolvi em Espanha. O senhor já era idoso, ensinou grandes matadores de touros como Manuel Santos, António dos Santos, José Júlio, Armando Soares, Fernando Pessoa e eu fui o seu último aluno. Fiz a prova de praticante de novilheiro em Alcochete a 14 de Agosto de 1978 e toureei várias novilhadas com êxito em Portugal.
Estive na Golegã quatro temporadas, mas como em Portugal não se matam toiros, ou seja, não me poderia tornar matador de toiros, fui para Madrid pois, nesta altura, despertei o interesse de um bandarilheiro português, Jesus Nunes, que estava radicado em Madrid. Levou-me com ele para sua casa em Madrid onde fazia de meu tutor, ou seja, era professor Bandarilheiro e apoderado (quem arranja os contratos com as empresas). Foi a pessoa mais importante que tive em Madrid.
Mantive-me a viver em Madrid dois anos e meio e aí fui toureando na tentativa de vir a ser Matador de Toiros. Mas surgiram dificuldades e veio a desilusão e a frustração de não me conseguir manter e decidi voltar a Portugal.
Acabando o sonho de Matador de Touros e já em Portugal, tiro a prova de Bandarilheiro praticante em Lagos a 22 de Maio de 1982 e a alternativa de Bandarilheiro profissional na Figueira da Foz a 14 de Agosto de 1983. Ao longo destes 30 anos de alternativa, fiz parte de várias quadrilhas, como as dos Maestros Vítor Mendes, Rui Bento, Luís Procuna e dos cavaleiros João Salgueiro, Francisco Núncio e António Ribeiro Telles, sem esquecer Manuel Jorge de Oliveira, Ana Batista, Manuel Telles Bastos e João Ribeiro Telles Jr.
Sem porem esquecer a cavaleira francesa Helena Gueirall onde quer em Portugal quer em França a acompanhei em 2 temporadas, era então apoderada pelo Engenheiro João Cortesão, pessoa de grande importância na minha aprendizagem de toiro e cavalo. Pois é das pessoas que muito devo na minha trajetória como bandarilheiro.
Em simultâneo, quando voltei a Portugal, voltei aos talhos como emprego a desempenhar as funções de encarregado de dois talhos de carne de cavalo, ora em Alverca, ora no Forte da Casa. Aqui, além de fazer todo o serviço ainda supervisionava o trabalho dos restantes colaboradores do talho. Enquanto encarregado toda a responsabilidade é acrescida, pelo menos assim o entendia. Depois fui para o Talho do José Luís Mendes Rocha, na Póvoa de Santa Iria. Nesta altura já tinha nascido a minha filha Núria que hoje já tem vinte e sete anos e, mais tarde em 1993 nasceu o meu filho Miguel.
Em 1988 integro a equipa da Viçosus, Indústria de Produtos alimentares como supervisor, liderei cerca de quarenta pessoas, desde o fabrico de espetadas ao embalamento e transformação de carnes trabalhando em linha de produção. Estive nesta empresa cerca de vinte gratificantes anos, até à sua falência.
Desde então, a par da minha atividade taurina tenho apostado na minha formação académica, tendo concluído no ano passado o 12 ano.
Que sentimento nutre ao fim de 30 anos de dedicação ao toureio?
O sentimento de bom profissional, bom taurino e aficionado essencialmente.
Com dedicação plena a esta profissão que tanto amo e respeito, que o digam a digníssima família Ribeiro Telles.
O que é preciso para ser bandarilheiro?
Não é fácil explicar a arte de tourear visto que toda a arte segue o conceito de cada um. Eu como toureiro sinto-a de uma forma e outros toureiros sentem-na de outra. Para mim é o que de mais belo e estético há. Cada um põe a sua forma corporal e técnica em cada passe de capote, muleta ou no simples andar na praça. São estes movimentos e também como se bandarilha que, na minha opinião, dão mais ou menos graciosidade à lide. Só que cada um tem a sua estética e, mesmo fazendo de forma diferente têm de igual modo a sua arte.
Como recorda o dia da sua alternativa de bandarilheiro profissional?
O dia da minha alternativa foi vivido bem intensamente, pois tinha, a minha família taurina da Golegã em pleno.
O Maestro Ricardo Chibanga, os maestros bandarilheiros José Tinoca, Manuel Barreto e Manolito dos Santos. Tinha partilhado com eles esse sonho de ser Matador de toros, findo esse sonho, só podia ser com eles o passo não menos importante que era de me tornar bandarilheiro profissional pelas mãos deles.
A alternativa de Bandarilheiro profissional na Figueira da Foz a 14 de Agosto de 1983, com o cartel composto pelos cavaleiros profissionais Maestro José Cortes e Maestro Gustavo Zenkl e o Matador de toros Maestro Ricardo Chibanga com toros da ganadaria Engenheiro Francisco Gois.
Neste momento não desempenha apenas a função de bandarilheiro na casa do Mestre David Ribeiro Telles...
Á grande família Ribeiro Telles devo tudo ou quase tudo. Pois o Patriarca Mestre David Ribeiro Telles tem sido o Pai taurino que tanto um toureiro precisa, no campo ganadeiro e coudeleiro, na praça, não se priva dos seus ensinamentos constantes.
Sendo bandarilheiro do Maestro António Ribeiro Telles á muitos anos, pois é como um irmão para mim, entro nas quadrilhas de João Ribeiro Telles, Manuel Telles Bastos onde já fiz durante três anos de seu representante, tive a sorte e a responsabilidade de herdar muito do Maestro Bacatum que foi também um filho da casa.
Actualmente como vê o desempenho da classe dos bandarilheiros?
Atualmente existem bons bandarilheiros, não vou nomear nomes para não me esquecer de alguns.
Existem outros que podem vir a ser bons, como é o caso do António Ribeiro Telles Bastos, que trás escola, não digo isto por ter sido meu aluno, mas também porque passou pelos valorosos ensinamentos do maestro Vítor Mendes, mas porque tem também os ensinamentos do seu avô e tios João e António.
Mas também há os que nem se vestirem sabem, nem o que é uma castanheta quanto mais saber o que é a Coleta, quanto mais andar na praça, não aceitam conselhos de ninguém com mais experiencia. Pois crêem que já sabem tudo, assim como falta de humildade.