Severiano Mira é membro fundador do Grupo de Forcados Amadores da Chamusca, tendo iniciado a sua actividade como forcado da cara e cernelheiro em 1974, na estreia do grupo. Durante dez épocas consecutivas, e sob o comando do Cabo António Timóteo, foi reconhecido como um dos forcados mais emblemáticos da Chamusca, pegando em Portugal e em França nas corridas mais importantes do seu tempo. Equitador profissional, é hoje um activo aficionado.
Tauródromo - Ser forcado é ser toureiro?
SM - Ser forcado é ser grande... e a sua grandeza está no seu amadorismo e na sua afición e em tudo aquilo que dá à festa sem pedir nada em troca. Quando perguntamos se ser forcado é ser toureiro, claro que é um toureiro sem capote. Mas, evidentemente, não cabe misturar as duas artes. Cada um tem o seu papel indispensável na festa. O forcado sente o toiro à sua maneira. Quando lhe sai um toiro em sorte, o forcado executa o seu toureio com a preciosa ajuda do colectivo e a influente estratégia do Cabo.
Tauródromo – Qual é para si a importância dos grupos de forcados na sociedade?
SM - É curioso que me faça esta pergunta pois, desde sempre, considerei que os grupos de forcados deveriam ser vistos de um ponto de vista sociológico como muito interessantes. São colectividades estruturadas que, apesar da enorme diversidade de estratos profissionais e sociais dos indivíduos que as compõem, conseguem uma forte consciência do "nós", com uma certa fusão das individualidades num todo comum. A integração dos jovens num grupo de forcados enriquece-os, promovendo o desenvolvimento de competências sociais, e não só, indispensáveis à sua boa formação. No meu caso, a aprendizagem que realizei enquanto membro do Grupo de Forcados Amadores da Chamusca, serviu-me como quadro de referência nas minhas aspirações, opiniões e comportamentos, sentindo ainda hoje a influência desses mesmos padrões. É por isso que sinto grande satisfação e orgulho em ter hoje o meu filho, Alexandre Mira, como membro do Grupo.
Tauródromo – Pensa que o forcado pode ser importante na preservação da festa brava?
SM - É tempo de ser dado o real valor ao forcado por tudo aquilo que tem proporcionado à cultura tauromáquica e à festa dos toiros em Portugal e não só. Os grupos de forcados, em Portugal, têm sido verdadeiros pilares da preservação das corridas de toiros. Uma grande parte do prestígio alcançado pela Corrida à Portuguesa no estrangeiro tem origem no forcado e na atracção do público pela arte de pegar toiros. Por outro lado, os grupos de forcados são mobilizadores das camadas jovens do público, as quais iniciam, muitas vezes, a sua aproximação à festa, através de um forcado amigo ou familiar. A festa de toiros foi sempre uma actividade de juventude e, enquanto assim for, não estará em perigo.
Tauródromo - Quais os grupos de forcados que destacaria como mais importantes?
SM - No que concerne a antiguidade e a actividade ininterrupta, temos o Grupo de Forcados Amadores de Santarém, o Grupo de Forcados Amadores de Montemor e o Grupo de Forcados Amadores de Lisboa. Em meu entender, estes foram igualmente os grupos que ao longo dos anos conseguiram maior prestígio. Evidentemente vários outros grupos tiveram e têm elementos de elevadíssima qualidade e tiveram e continuam a ter prestações de muito alto nível e valor para a festa. Na festa, como já atrás referi, todos são importantes.
Tauródromo - Como vê a evolução dos grupos de forcados ao longo dos tempos?
SM - Embora reconheça que no tempo em que fui forcado existiam padrões comportamentais mais rigorosos, devo admitir que os grupos de forcados sofreram uma evolução bastante positiva e, de certa forma, paralela à evolução da própria sociedade em geral. É de assinalar o elevado número de jovens a integrar os grupos, não só como forcados, mas também como simpatizantes. Ao nível técnico, podemos dizer que a evolução do forcado e da pega é coincidente com a própria evolução do toiro bravo e da corrida de toiros. Pese embora o facto de ter sido, de certa maneira, posta de parte, uma das execuções mais belas da arte de pegar toiros: a pega de cernelha. Esta parece ter caído de tal modo em desuso que haveria hoje dificuldade em encontrar um grupo de cernelheiros que fizesse parte de uma opção para a pega e não constituísse apenas um recurso para a mesma. No que concerne a arte de pegar toiros, uma coisa me parece certa, a técnica é apenas a base, tudo o resto varia, ontem como hoje, de forcado para forcado.
Nota a pedido do entrevistado - No final desta entrevista gostava de prestar uma homenagem a todos os forcados, especialmente a todos aqueles que já partiram, muitos deles sem o merecido reconhecimento.
Manuel Severiano Mira