Vila Franca de Xira, corrida de exaltação ao forcado amador
08 de Outubro de 2015 - 12:08h | Crónica por: Jorge Rebocho - Fonte: Taurodromo.com - Visto: 2606 |
Tradicionalmente, a feira de Outubro de Vila Franca de Xira, é o epílogo da época taurina, independentemente da qualidade dos espetáculos, a aposta em cartéis de destaque tem sido apanágio das empresas desta praça, que inexoravelmente apostam nesta corrida, este ano não foi exceção, com as bancadas quase completas, o espetáculo, que não foi brilhante, pelas dificuldades que os toiros impuseram aos intervenientes, mas, no que respeita à emoção, correspondeu e superou as expetativas.
A grande atração da noite, foi, sem dúvida, o imponente curro que iria sair em praça, três toiros de Miura, e três toiros de Palha, duas ganadarias da mesma procedência, e que a sua fundação remonta ao século XIX. Enquanto os primeiros mantêm o puro encaste Cabrero, no seu reduto em Zahariche, os segundos, também procedentes do mesmo encaste, vêem ao longo da sua existência, a introdução de sangue novo, com sementais de Pinto Barreiros, Ortega, Belmonte, Oliveira e Irmãos e Torralta e mais recentemente Baltasar Iban.
Fonte: http://opiriquita.do.sapo.pt/ganadariasportuguesas/palha.html
Ver Miuras em praça é sempre aliciante, porque emocionam, não só pelo aspeto e comportamento, bem como pela sua trágica e violenta história, apesar de tudo, não me lembro de ter visto uma boa lide a cavalo de um exemplar desta ganadaria, e mostram-se perigosos no momento de pegar, são sem dúvida mais vocacionados para o toureio a pé, frequentemente prestam emocionantes sortes de varas.
Todo o curro foi muito em tipo da sua procedência, os de Miura, exemplares ancestrais no aspeto e comportamento, de brama constante, o primeiro foi um toiro muito sério, animal mitológico e destemperado, foi um toiro perigoso, o segundo era avacado e parco de carnes, e o terceiro era pequenote, o que tornou os dois últimos mais acessíveis. O Curro de Palha foi bem mais consensual, mais bonitos e rematados, autênticas estampas que tiveram um comportamento adequado à tão portuguesa arte marialva.
Em praça estiveram os cavaleiros Luís Rouxinol, Vitor Ribeiro e Salgueiro da Costa. Pegaram em solitário o Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira, na noite em que se despediram das arenas dois grandes forcados, Bruno Casquinha e Pedro Castelo. Estes cavaleiros e forcados têm habitualmente argumentos para qualquer toiro, mas nesta noite, foram os toiros que impuseram as regras, e foi preciso muita alma e coragem para os vergar
Luis Rouxinol abriu Praça frente ao sério Miura, de capa colorau com 600kg de peso, monstro de osso e músculo, não me lembro de uma corrida que tenha começado assim, tão emocionante! A entrada em praça foi como habitual, parado e absorto na bancada, para depois começar a crescer com a lide, logo no primeiro comprido a mangada alta quase colheu o cavaleiro no alto da montada. Luís Rouxinol foi campino, andou exímio na brega, para tentar colocá-lo, mas o toiro, estemporão e bravo, por vezes maldoso, arrancava-se de todo o lado para colher, quando percebeu que não podia chegar ao cavalo começou a encastar-se e o cavaleiro cravou a sesgo com uma lide esforçada.
Percebia-se a tensão na praça, e abraçar este toiro parecia uma tarefa hercúlea e impossível, e foi para a cara deste gladiador um outro gladiador, o forcado Ricardo Castelo, o frocado fez tudo bem, como habitual, mas o toiro veio com tudo e de cara alta desfeiteou o forcado com violentíssimos derrotes, não parecia ser possível parar aquela locomotiva, na segunda o forcado caiu no momento da reunião, à terceira foi impressionante a força do toiro, despejando todos os forcados, e só à quarta tentativa com o grupo a carregar foi finalmente vencido. Nenhum dos artistas deu volta à praça, o que considero errado, ambos o mereciam pela imponência e comportamento do toiro.
O segundo de Luís Rouxinol, foi um bonito exemplar de Palha com 510kg, harmonioso, entrou de cuada no ar em símbolo de bravura, e sem perder tempo foi cravado um bom ferro comprido, bem como o segundo. Nas bandarilhas, o acerto manteve-se, com alguns toques por ir a terrenos do toiro, ouviu música ao terceiro curto. Para pegar o bonito Palha saltou ao ruedo o forcado Buno Casquinha que nesta noite se despediu, o toiro fugiu ao grupo, nas terceiras ajudas o forcado João Maria Santos fez uma exemplar primeira ajuda, e consumaram assim a pega, volta para cavaleiro e forcado.
Vitor Ribeiro lidou o segundo de Miura, avacado e parco de carnes, que apesar dos anunciados 550kg foi vaiado pela exigente Palha Blanco, que reclamava a sua substituição. Nos compridos cravou à tira, e nos curtos andou correto, o toiro cumpriu, e Vitor Ribeiro fez o que lhe era pedido. Foi muito bem pegado pelo forcado Gonçalo Salitre, que apesar de empranchar depois da dura reunião, recompôs-se e com a boa ajuda do grupo consumou à primeira tentativa.
O seu segundo era uma estampa de toiro que infelizmente se lesionou, tendo o cavaleiro alternado para último do cartel, e assim toureou o sobrero de Oliveira e Irmãos, também de muito boa apresentação. Cravou três bons ferros compridos à tira, nas bandarilhas, o cavaleiro apesar de ter adotado um toureio de ataque, fê-lo em terrenos de verdade e saíu ao quarto curto, injustamente sem música, para pegar este toiro, último da corrida, foi escolhido o forcado Rui Godinho que fez uma pega limpa e muito bem ajudado pelo seu grupo, ao nobre Oliveira.
O terceiro cavaleiro em praça, Salgueiro da Costa, toureou o terceiro Miura, cardeno e pequenote apesar de em tipo. Começou com uma passagem em falso, mas arrimou-se e cravou dois bons compridos, a mandar vir de largo e com reuniões ajustadas, foram possivelmente os melhores ferros da noite e a praça reconheceu-lhe o valor. Nos curtos já não conseguiu manter o mesmo nível, por responsabilidade do toiro que começou a impor a sua genética e a incomodar o cavaleiro. Foi para a cara deste toiro o Forcado Pedro Castelo, que também se despediu das arenas nesta noite, e que grande forcado foi o Pedro castelo! O toiro veio a menos na reunião e na segunda tentativa, acobardou-se, e o forcado consumou à segunda sem dificuldades de maior.
O segundo de Salgueiro da Costa foi um imponente Palha de 610kg, bonito e de boa índole, esteve bem nos compridos, nas bandarilhas houve alguns desacertos no momento de cravar, o quarto ferro a sesgo foi mesmo o melhor desta lide. Ricardo Patusco, forcado consagrado, teve a estoica tarefa de pegar este impressionante toiro e não teve noite fácil, na primeira tentativa foi literalmente colhido pela violência do Palha, na segunda foi mais do mesmo e à terceira com as ajudas carregadas consumou com o toiro a empurrar até tábuas, com uma força impressionante.
No início da corrida, foram, e bem, homenageados os forcados que se destacaram na época transata, nas mais diversas posições. Não podemos deixar de realçar a excelente prestação do forcado Carlos Silva, também ele homenageado, e que rabejou de forma exemplar todos os exigentes toiros desta corrida. Uma não menos importante homenagem que deveria ser feita nas nossas praças, e que nesta praça se faz, seria a identificação, alto e bom som, do nome do forcado que vai pegar, ou do toureiro que vai tourear.
Jorge Rebocho