Grande Noite de Rui Salvador no Cartaxo

Algumas vezes na vida somos surpreendidos pela capacidade que a sociedade civil encontra em si mesma para superar algumas carências culturais e organizacionais da comunidade em que se insere.

Desde o ano de 2007, a Associação Cultural e Recreativa “Gentes do Cartaxo” é um reflexo desta dinâmica, em que um grupo maduro de Cartaxeiros, sem nenhum fim lucrativo além do enriquecimento cultural da cidade, arriscou-se contra a inércia instalada e passou a colmatar lacunas de uma comunidade, com a realização de actividades transversais às várias áreas das artes, como inclusivé na tauromaquia, com a criação de um grupo de forcados juvenis e largadas nas Festas anuais da cidade. No ano de 2012 pôs a cabeça no cepo e propôs-se a reabilitar a praça de toiros da cidade, tendo para isso de organizar as corridas de toiros, com o receio, o risco e a esperança de não darem um passo maior do que a perna alcança.

Talvez a bem-composta meia casa na noite de 8 de Setembro seja um incentivo (assim o espero) a tão nobre e destemida aventura e sirva de alicerce para a continuidade de uma sã aliança entre a Festa Brava e as necessidades culturais dos Cartaxeiros, por muitos e longos anos.

O curro de José Vasconcellos e Souza de Andrade foi de uma apresentação e trapio apreciáveis e de outra tanta transmissão, com excepção do quarto da ordem que se revelou um manso e do quinto que sem nunca humilhar cedo se apagou, exigiu maneiras e não facilitou, pedindo desembaraço e fundo à terna de cavaleiros.

Abriu a praça Rui Salvador para receber um tardo mas áspero oponente, que nunca humilhou e que obrigou o cavaleiro de Tomar a pisar-lhe os terrenos se quisesse ter hipótese de triunfo. Se é certo que nos compridos recebeu “negas” da montada e um empurrão, nos curtos a lide foi de uma imaculada verdade, com três ferros ao estribo na mangada do oponente, tão plenos de emoção que os aplausos da praça que tensa mordia os lábios nas abordagens, eram também libertadores de toda a adquirida tensão nos remates das sortes. Grande lide de Rui Salvador!
O quarto da noite foi um manso sem nenhuma gota nem vestígio de bravura, tanto que o cavaleiro de Tomar soltou um desabafo na viagem na troca de montadas para o pátio de quadrilhas. Com todo este contratempo, julgar-se-á que a lide é isenta de história, mas na realidade Rui Salvador lançou-se ao recorrente infortúnio dos sorteios e elaborou um tratado de como dar a volta a um manso, deixando a praça de pé com o último ferro a pedido e assinando uma noite memorável no Cartaxo.

O segundo da noite revelou-se um exemplar sério, perseguiu com maldade, arrancava com pata e respondeu aos ferros sempre para colher. Luís Rouxinol desenvolveu uma lide com ritmo e de cravagens limpas. O público gostava do que via e exigiu mais ferros ao cavaleiro de Pegões, mas este soube sair no momento exacto, não prolongando uma lide com mais cravagens desnecessárias, perante um oponente que já procurava o conforto das tábuas.
O quinto parecia feito à exacta medida de Rouxinol e igual a tantos outros em que já vimos o cavaleiro dar a volta com a sua habitual entrega. Um exemplar complicado que entrou no ruedo contrariado, muito reservado e tardo. Luís Rouxinol esteve bem por cima do oponente, tapando-lhe os inúmeros defeitos e fabricando um bravo com transmissão. O público exigiu o par de bandarilhas em falta, e o cavaleiro de Pegões soube ainda colocar mais uma rosa com que terminou uma actuação de grande qualidade.

Ana Rita recebeu o terceiro da ordem que espalhava bravura por todos os poros mas que pareceu encontrar-se diminuído da mão direita, o que foi agravando a disponibilidade para o confronto, apesar de nunca se ter furtado ao mesmo. A jovem cavaleira soube aproveitar as características da rês e andou desembaraçada e solta, apesar de um defeito aqui e acolá nas cravagens, foi silenciando os que em surdina nas bancadas ainda comentavam a aparatosa queda na noite anterior na Nazaré. Quando terminou a sua actuação com um violino, fez levantar a praça que a gosto presenciava uma bela noite de toiros.
No último da noite Ana Rita revelou ter sentido de lide, que sem tempos mortos deixou a ferragem no oponente, nem sempre com o acerto necessário no tempo das sortes mas sempre sorridente arrecadou o público, até novo violino com que terminou a sua passagem pelo Cartaxo.

Pelos Amadores do Ribatejo abriu a noite o cabo João Machacaz com uma pega ao segundo intento que atravessou o grupo até ao embate nas tábuas; também à segunda tentativa Mário Gonçalves numa reunião difícil e à córnea, seguida de violentes derrotes e Sérgio Carmo à primeira tentativa num embate rijo e à córnea, num oponente que vinha com pata e a direito ao grupo.

Pelos Amadores de Salvaterra, João Damásio fechou-se à terceira com as ajudas carregadas; Daniel Recatia reuniu à córnea e empurrado para tábuas andou sobreposto nas mesmas, com a coeão do grupo a resolver a pega à primeira tentativa; Diogo Consolado fechou a noite mandando no oponente, que após partir a chôto, reuniu à barbela numa pega ao primeiro intento.