Noite da Figueira sem Matéria-Prima mas com Ferrera
25 de Julho de 2011 - 09:55h | Crónica por: Filipe Pedro - Fonte: - Visto: 2126 |
Abriu a temporada na Figueira da Foz, com uma corrida mista com três quartos de casa bem preenchidos, dois cavaleiros que fazem actualmente em Espanha a maioria das suas actuações e um matador espanhol que emprega no segundo tércio o seu principal cartão-de-visita.
Um curro enviado por duas ganadarias. A de Inácio Ramos destinava-se para os cavaleiros e estes tiveram pela frente, regra geral, oponentes mansos, sem transmissão e de uma apresentação pouco harmoniosa.
Assim foi o toiro que abriu praça para Rui Fernandes, que nos compridos passou sem história. Nos curtos, o exemplar revelou ter pouca mobilidade e sem nada humilhar no momento da reunião. Rui Fernandes empregou-se a fundo e houve mais cavaleiro que toiro. O público em nada era frio e puxava pela lide desde o seu início. O cavaleiro tentava de tudo para dar a primazia do arranque ao exemplar de 560kg que tinha pela frente mas passou três vezes em falso para cravar o terceiro curto. Foi buscar o Ozono que citava em passo espanhol e com a mão direita levantada.
O seu segundo do lote tinha 520Kg e pouca mobilidade. A lide foi de menos a mais, com o cavaleiro nos compridos a fazer o que podia para fixar o toiro na garupa de modo a orientar as investidas para os ferros que se seguiriam. E conseguiu. Nos curtos executou os dois primeiros ferros com o cite a aguentar o cavalo em tábuas, com os posteriores e com os quiebros nos terrenos do hastado. A rematar o primeiro ferro deu quase duas voltas à arena com o toiro a perseguir na garupa. O seu terceiro foi em tudo semelhante aos anteriores, quer na preparação como na execução, mas Rui Fernandes já tinha entendido as distâncias e a sorte saiu mais vistosa. A banda finalmente tocou, coisa que o público já pedia desde o fim dos compridos e o cavaleiro fecha a lide com um ferro em tudo igual ao anterior. Houve um Rui Fernandes de grande entrega e labor em praça e o público reconhecendo o esforço, tributou-o por isso.
Para João Moura Jr, a noite é em tudo idêntica à do seu alternante. No seu primeiro toiro de 535Kg, Moura Júnior recebeu-o a puxar para os médios, como habitualmente o faz. No primeiro comprido coloca-o praticamente no dorso de um oponente desinteressado e sem humilhar. Coloca com primor o primeiro curto e tenta levar o exemplar em sorte na garupa, mas este nada queria “dar” para esse tipo de trabalhos. Apesar de falhar o quarto ferro e de seguida passar em falso, pode considerar-se que efectuou uma lide certinha mas sem nenhuma espectacularidade.
O seu segundo do lote tinha 580Kg, foi o mais pesado da corrida e parecia em nada vir destoar, em comportamento com os anteriores. O público pedia que existisse João Moura Júnior em praça e este passou pelos compridos sem história. Então entrou Merlin na arena, que pela sua beleza exuberante provocou o gáudio nas bancadas. O cavaleiro de Monforte prepara com mestria o segundo curto, coloca-o no sítio e vai efectuar o remate como é habitual na escola da família Moura, com o toiro na garupa e em que cada milímetro é um latifúndio de toureio para ladear. Sofre dois violentos empurrões que poderiam ter colocado em risco a montada. O toiro veio de menos a mais em toda a lide, o público gostava do que via e Moura Júnior colocou uma rosa. Fechou a lide com outra rosa pedida pelas bancadas.
No capítulo da forcadagem estiveram dois dos melhores grupos de forcados da actualidade. E ainda bem que assim foi, pois os toiros de Inácio Ramos assim o exigiam.
Pelo Grupo de Forcados Amadores de Alcochete abriu praça José Miguel Vinagre que teve de desmanchar a pega, pois o toiro veio a caminhar para os médios durante o cite e parou assim que a distância já era curta de mais. Pegou à segunda tentativa com o toiro a demorar uma enormidade a partir. Quando o fez, Vinagre já se encontrava há uma barbaridade de tempo nos terrenos do toiro a citar, arrancou com muita violência e a pega foi consumada pelo grupo com muito brilhantismo.
Daniel Silva foi para a cara do segundo e aproveitou o arranque do toiro. O grupo esteve bem a ajudar mas o toiro derrotou com enorme violência por diversas vezes e sempre com a cara bem alta até tirar de lá o forcado. Foi consumada à segunda tentativa, com uma história idêntica à da primeira mas com um final diferente, pois o grupo não permitiu mais que a pega se desfizesse.
Pelos Amadores do Aposento da Moita foi para a cara José Santos que viu o seu oponente partir muito cedo, não lhe dando tempo para recuar e concretizar a pega. O toiro perdeu-se aí em definitivo. À segunda tentativa José Santos, após desfazer a pega por três vezes, acoplou-se com o grupo a ajudar com eficácia.
A melhor pega estava reservada para o fim e teve Nuno Inácio a fazer o cite mais bonito da noite. O forcado mandou no toiro, ditou o seu arranque e este veio franco e proporcionou uma bonita pega à primeira tentativa. No final, o cabo Tiago Ribeiro presenteou o público com a arte de bem rabejar.
O triunfador da noite foi Antonio Ferrera. O matador encontrou no seu primeiro oponente, um exemplar de Falé Filipe, de 465Kg e com muita cara. À saída dos curros levantou um burladero ao investir para surpresa do público. Ferrera recebeu-o “lanceando-o” de capote. Nas bandarilhas esteve bem mas sem a espectacularidade no momento de cravar que lhe é tão reconhecida. As bancadas queriam ver toureio a pé e puxavam pelo matador, mas na muleta o toiro demonstrava não ter muita profundidade nem recorrido e o matador teve de pedir para a banda parar de tocar. Ligou mesmo assim uma série de quatro “muletazos” pela mão direita e voltou então a música que era acompanhada pela cadência de aplausos vinda das bancadas. Este toiro necessitava claramente de ter sido picado.
No seu segundo do lote, o toiro saiu pelo lado esquerdo da praça. O hastado de 485Kg humilhava e o matador executou com o capote uma bonita série com três passes de Verónica e uma meia Verónica. De seguida nova série com três molinetes e mais três verónicas. Havia finalmente matéria-prima de qualidade em praça com o matador e o publico a sentirem o mesmo. No segundo tércio, Ferrera mostrou quem era. Ao falhar o segundo par, as bancadas manifestaram-se e o matador citou de joelhos e cravou em quiebro. Na muleta, o matador descalçou as sapatilhas e viu-se uma exuberante faena em que o exemplar de Falé Filipe só via o engano. Houve toiro e mais toiro. Ferrera estava a gosto, pela mão direita sacou três muletazos de joelhos e duas séries de quatro. Equilibrou o toiro com duas séries de naturais e passes de peito primordialmente executados. O toiro humilhava em demasia, não desviava o olhar da muleta por um segundo. O público via um toureio “templado”, sem tempos mortos, distâncias acertadas e com o oponente a arrancar sempre pronto e decidido. Ferrera desfrutava tanto que exagerou no tempo de lide, sem que isso retirasse qualidade ao toiro. Teve tempo de efectuar passes em redondo a girar pela direita. Que grande toiro! E que grande faena! Para lá da fronteira que troféu obteria Antonio Ferrera?