Opinião: Sair em ombros pela porta grande do Campo Pequeno
Criada para evitar a discricionaridade na atribuição do grande troféu do Campo Pequeno, a norma que estabelece a saída em ombros do Campo Pequeno terá surtido o efeito desejado?
10 de Julho de 2009 - 15:49h | Crónica por: Sara Teles - Fonte: - Visto: 2394 |
Muitas e duras críticas foram feitas ao Campo Pequeno pela lacuna que existia quanto à matéria de saídas em ombros pela porta grande da 1ª praça do país.
Críticas que, mais ou menos assertivas, não deixaram de ser construtivas - e no Campo Pequeno viram-se obrigados a criar de raiz uma regra que permitisse apurar com idoneidade quem merece ou não tal honraria.
Assim, em regulamento interno se estipulou abrir a porta grande para sair em ombros quem por duas vezes der duas voltas à arena pela lide de um só toiro, ou seja, quem der quatro voltas repartidas por dois toiros.
Esta regra não foi uma inovação, já que em Espanha o mesmo se aplica aos diestros e rejoneadores que cortem também, pelo menos duas orelhas.
A diferença é que, não havendo entre nós essa prática reiterada, habitual e constante que a tenha tornado norma consuetudinária, a sua aplicação não pode deixar de causar certa estranheza.
Quanto a mim, a norma não é errada ou descabida pois que deve ser sempre o público a mandar que se abra aquela porta - seja ele ou não um público exigente, popular, popularucho ou a nata das natas da aficcion.
O que sucede, é que o normativo não está concebido para a nossa realidade - e tanto não está, que assistimos ontem pelos ecrãs TVI, a um Salgueiro e um Leonardo Hernandez agradecendo de braços levantados mas ausentes de brilho no olhar, quando em ombros se faziam transportar na "derradeira" volta arena, com as bancadas quase vazias e entre alguns assobios, saindo depois por uma porta grande onde só os fotógrafos acorreram.
Pois que não estou a dizer que Salgueiro não tenha estado enorme esta noite, nem tampouco digo que Hernandez não tenha desenhado duas lides de grande emoção. E que se não julgue que estou a jogar pelo seguro ao fazer esta ressalva, porque de facto reconheço que tanto um como o outro estiveram inspirados e foram unanimemente apreciados.
Mas se não houvesse regra escrita teriam saído pela porta grande como resultado do seu êxito?
Como se justifica quem em noite de homenagem a um grande e tão estimado cavaleiro, haja este saído com tamanha discrição? Será que alguém abandonaria a praça de o tivessem visto a ele sair em ombros? Podia até nem reflectir uma noite esplendorosa do homenageado, mas com certeza seriam muitos ferros impossíveis em aplauso. No entanto, muito provavelmente, nem ele próprio atenderia a tal saída, pois que é um homem consciente de si.
Não terá de outra forma Rui Salvador, na sua atitude humilde - que aliás, sempre o acompanha, saído aos ombros da moral?
O que parece à primeira vista, é que da enorme dificuldade que havia em alcançar o almejado troféu simbólico, se saltou para a era do facilitismo, em que mesmo que o público abandone indiferente as bancadas, se há-de dar aquela volta - que deixa de ser motivo de orgulho (como quando se sustinha em mérito reconhecido) para ser uma volta formal (baseada na norma escrita) que pouco valor terá para a aficion.
Convenhamos que concordo em abstracto com o interno normativo. Não posso, contudo, deixar de lhe apontar a falta de temperança.
Há que não esquecer, que uma "lei" que tão bem funciona num determinado circunstancialismo não resulta com o mesmo efeito se lhe mudam as premissas.
Em Espanha tem de existir uma forte petição popular e depois, necessariamente tem o presidente que dar autorização para que se corte uma orelha.
Já em Portugal, dar uma volta à arena no fim da lide é tão certo quanto o calor do fogo e, se acaso a volta não é dada, raramente é porque o público a negue. Ao invés disso, a volta não se dá quando o visado julga não a merecer dar.
Quantas vezes ouvimos a expressão "fulano não quer ir dar volta"?
É expressão que tudo diz, já que por ela se vê que quando não há volta é porque o cavaleiro / matador / forcado, por brio profissional e humildade não a quer dar, ainda que lhe seja pedida.
Quantas vezes, depois da primeira volta - a tal da praxe, volta o forcado sozinho ao ruedo? E, quantas vezes se cola o cavaleiro ao forcado para uma 2ª volta? E porque não hão-de os forcados sair pela porta grande quando são eles que por vezes nos enchem a alma de admiração?
Destarte, o que me parece aqui crucial é que nunca em tempo algum se vê em Portugal um director de corrida negar uma volta a arena, tanto como o público sempre peticiona tal volta, resultando esta não por mais do que por decisão discricionária do interveniente em questão.
Quantas vezes se dão voltas imerecidas e por auto congratulação? Alguém as impede?
Conclui-se assim que duas voltas no Campo Pequeno, tal como em qualquer outra praça do país, tanto poderão ser fruto de um êxito rotundo como não, isto porque uma elas é sempre dada, e a 2ª pode não estar a ser assim tão peticionada quanto isso - basta que o cavaleiro aproveite a última levada de aplausos para encetar nova volta (que depois já ninguém lha tira).
Sair pela porta grande do Campo Pequeno será só um número para efeitos de escalafón mas não terá significado material nem o gostinho especial que deveria ter e tanto mais será assim quantas mais saídas em tom vulgar se venham a verificar.
Há que repensar a regra com cuidado e torná-la menos matemática.
Há que ponderar se não deve existir sempre um sentimento generalizado entre o público de que a porta grande tem que abrir-se para sair 'aquela pessoa' que executou 'muitíssimo bem' determinado feito.
O Campo Pequeno - sendo "O" Campo Pequeno, sendo a 1ª praça do país e catedral do toureio equestre; onde todos querem ir, estar e triunfar para depois sair pela porta grande tem que ser uma praça rigorosa, de avaliações cuidadas e de um preciosismo tal que chegue a irritar o aficcionado menos avisado, que apenas tem o gosto em ver a festa por ser festa.
O Campo Pequeno tem que abrir as suas portas quando lho exija toda a gente que se sentou nas bancadas e que sentiu na pele a emoção de uma sorte ou de um conjunto.
O Campo Pequeno tem que negar a porta a quem a não mereça ou não a mereça suficientemente.
O Campo Pequeno tem sido muito bem gerido, tem enchido quase invariavelmente as bancadas, tem tornado moda ir aos toiros, tem sido rigoroso na escolha dos cartéis, tem promovido a festa e dado oportunidades. Se podia ser melhor? Podia - como tudo e todos, mas não tem andado mal.
Para ser a excelência que todos queremos que seja tem que ser o exemplo de rigor e de isenção para os demais taurodromos sem se deixar levar por regras que só aparentemente lucram surtir esse efeito.
A festa vive-se com o coração e é com o coração que se podem entregar prémios e troféus tão simbólicos mas tão grandes quanto uma saída em ombros.
Críticas que, mais ou menos assertivas, não deixaram de ser construtivas - e no Campo Pequeno viram-se obrigados a criar de raiz uma regra que permitisse apurar com idoneidade quem merece ou não tal honraria.
Assim, em regulamento interno se estipulou abrir a porta grande para sair em ombros quem por duas vezes der duas voltas à arena pela lide de um só toiro, ou seja, quem der quatro voltas repartidas por dois toiros.
Esta regra não foi uma inovação, já que em Espanha o mesmo se aplica aos diestros e rejoneadores que cortem também, pelo menos duas orelhas.
A diferença é que, não havendo entre nós essa prática reiterada, habitual e constante que a tenha tornado norma consuetudinária, a sua aplicação não pode deixar de causar certa estranheza.
Quanto a mim, a norma não é errada ou descabida pois que deve ser sempre o público a mandar que se abra aquela porta - seja ele ou não um público exigente, popular, popularucho ou a nata das natas da aficcion.
O que sucede, é que o normativo não está concebido para a nossa realidade - e tanto não está, que assistimos ontem pelos ecrãs TVI, a um Salgueiro e um Leonardo Hernandez agradecendo de braços levantados mas ausentes de brilho no olhar, quando em ombros se faziam transportar na "derradeira" volta arena, com as bancadas quase vazias e entre alguns assobios, saindo depois por uma porta grande onde só os fotógrafos acorreram.
Pois que não estou a dizer que Salgueiro não tenha estado enorme esta noite, nem tampouco digo que Hernandez não tenha desenhado duas lides de grande emoção. E que se não julgue que estou a jogar pelo seguro ao fazer esta ressalva, porque de facto reconheço que tanto um como o outro estiveram inspirados e foram unanimemente apreciados.
Mas se não houvesse regra escrita teriam saído pela porta grande como resultado do seu êxito?
Como se justifica quem em noite de homenagem a um grande e tão estimado cavaleiro, haja este saído com tamanha discrição? Será que alguém abandonaria a praça de o tivessem visto a ele sair em ombros? Podia até nem reflectir uma noite esplendorosa do homenageado, mas com certeza seriam muitos ferros impossíveis em aplauso. No entanto, muito provavelmente, nem ele próprio atenderia a tal saída, pois que é um homem consciente de si.
Não terá de outra forma Rui Salvador, na sua atitude humilde - que aliás, sempre o acompanha, saído aos ombros da moral?
O que parece à primeira vista, é que da enorme dificuldade que havia em alcançar o almejado troféu simbólico, se saltou para a era do facilitismo, em que mesmo que o público abandone indiferente as bancadas, se há-de dar aquela volta - que deixa de ser motivo de orgulho (como quando se sustinha em mérito reconhecido) para ser uma volta formal (baseada na norma escrita) que pouco valor terá para a aficion.
Convenhamos que concordo em abstracto com o interno normativo. Não posso, contudo, deixar de lhe apontar a falta de temperança.
Há que não esquecer, que uma "lei" que tão bem funciona num determinado circunstancialismo não resulta com o mesmo efeito se lhe mudam as premissas.
Em Espanha tem de existir uma forte petição popular e depois, necessariamente tem o presidente que dar autorização para que se corte uma orelha.
Já em Portugal, dar uma volta à arena no fim da lide é tão certo quanto o calor do fogo e, se acaso a volta não é dada, raramente é porque o público a negue. Ao invés disso, a volta não se dá quando o visado julga não a merecer dar.
Quantas vezes ouvimos a expressão "fulano não quer ir dar volta"?
É expressão que tudo diz, já que por ela se vê que quando não há volta é porque o cavaleiro / matador / forcado, por brio profissional e humildade não a quer dar, ainda que lhe seja pedida.
Quantas vezes, depois da primeira volta - a tal da praxe, volta o forcado sozinho ao ruedo? E, quantas vezes se cola o cavaleiro ao forcado para uma 2ª volta? E porque não hão-de os forcados sair pela porta grande quando são eles que por vezes nos enchem a alma de admiração?
Destarte, o que me parece aqui crucial é que nunca em tempo algum se vê em Portugal um director de corrida negar uma volta a arena, tanto como o público sempre peticiona tal volta, resultando esta não por mais do que por decisão discricionária do interveniente em questão.
Quantas vezes se dão voltas imerecidas e por auto congratulação? Alguém as impede?
Conclui-se assim que duas voltas no Campo Pequeno, tal como em qualquer outra praça do país, tanto poderão ser fruto de um êxito rotundo como não, isto porque uma elas é sempre dada, e a 2ª pode não estar a ser assim tão peticionada quanto isso - basta que o cavaleiro aproveite a última levada de aplausos para encetar nova volta (que depois já ninguém lha tira).
Sair pela porta grande do Campo Pequeno será só um número para efeitos de escalafón mas não terá significado material nem o gostinho especial que deveria ter e tanto mais será assim quantas mais saídas em tom vulgar se venham a verificar.
Há que repensar a regra com cuidado e torná-la menos matemática.
Há que ponderar se não deve existir sempre um sentimento generalizado entre o público de que a porta grande tem que abrir-se para sair 'aquela pessoa' que executou 'muitíssimo bem' determinado feito.
O Campo Pequeno - sendo "O" Campo Pequeno, sendo a 1ª praça do país e catedral do toureio equestre; onde todos querem ir, estar e triunfar para depois sair pela porta grande tem que ser uma praça rigorosa, de avaliações cuidadas e de um preciosismo tal que chegue a irritar o aficcionado menos avisado, que apenas tem o gosto em ver a festa por ser festa.
O Campo Pequeno tem que abrir as suas portas quando lho exija toda a gente que se sentou nas bancadas e que sentiu na pele a emoção de uma sorte ou de um conjunto.
O Campo Pequeno tem que negar a porta a quem a não mereça ou não a mereça suficientemente.
O Campo Pequeno tem sido muito bem gerido, tem enchido quase invariavelmente as bancadas, tem tornado moda ir aos toiros, tem sido rigoroso na escolha dos cartéis, tem promovido a festa e dado oportunidades. Se podia ser melhor? Podia - como tudo e todos, mas não tem andado mal.
Para ser a excelência que todos queremos que seja tem que ser o exemplo de rigor e de isenção para os demais taurodromos sem se deixar levar por regras que só aparentemente lucram surtir esse efeito.
A festa vive-se com o coração e é com o coração que se podem entregar prémios e troféus tão simbólicos mas tão grandes quanto uma saída em ombros.